29/11/2007

Ser apenas saúde. Viver. Que o corpo carregue a vida até corroer as alças, até desgastar o tecido, até não poder mais conter o que tem dentro. Quando começa a derramar é sinal que o tempo se esvai. Aí é só remendar e esperar até quando a vida não suportar mais remendos.

22/11/2007

Um espelho fazia do seu rosto algo quase que corriqueiro, algo que subia escadas, descia, falava, se apresentava, sorria. Também falava sozinho, do jeito como geralmente se faz. Às vezes com alguns interlocutores que figuravam em sua frente, mas que ele mesmo não via. Era por causa do espelho, claro. Isso era bem visível a todos. Mas ninguém comentava. Era algo tão corriqueiro que não precisaria ser dito. Então, de consenso, ficava o não dito. O espelho era onipresente. Só faltava falar. Tudo que se passava era através do espelho, por detrás do espelho, em cima, embaixo, dentro, sobre... Estes eram os pontos-de-vista. As pessoas sabiam disso. Eventualmente um ou outro se via espelhado. Mas era só isso. Se via espelhado. Ponto.

06/11/2007

O que era um se tornou dois.
Como se no céu aparecesse outra Lua, outro Sol.
A noite continuaria noite, mas duas Luas.
Então para os poetas, as donzelas, os enamorados, mais um assunto:
Comparar as duas Luas. Chegar à conclusão nenhuma.

Porque o que era um se tornou dois.
Não há metafísica, supra-realidade, sobre-humanidade.
Há mais beleza, sim.
Duas Luas, Dois Sóis.
Mais luz, mais calor, mais dia, mais noite, mais sombras debaixo de árvores, mais pôr-do-sol coberto de dourado e rosa, mais reflexo da lua tingindo o mar prateado
e a influência nas marés.

O mundo ainda é mundo.
O Sol ainda é Sol.
A Lua ainda Lua.
Só que dois.

Ao querido Juan Manoel

05/11/2007

A alegria tornou-se forte.
Braços compridos, firmes.
As mãos estão mais claras,
também as palavras.
A alegria agora fala mais alto.
Fala mesmo para ser ouvida .
É capaz de gritar, de brigar,
gesticular chacoalhando o dedo indicador como quem sabe o que diz.
Agora tem credibilidade, ganhou respeito.
Põe pra correr muito marmanjo.
Ela cansou de velhas histórias

Só quer poesia. Só pensa em poesia.
A alegria está amando.

02/11/2007

Complicada essa coisa de descomplicar as coisas, de se tornar claro, de se fazer visível, de ser, de desatar os nós, de vomitar as palavras que causam náuseas tanto em quem as fala quanto em quem escuta. E mesmo depois de vomitar tanto, de botar pra fora, sobra uma ressaca... ressaca sem bebida. É quase como quando se briga e se apanha e se bate e bate em si. Mas sem chorar...
Não há mais tempo para chorar.
Há que se bater mais. Há que se mostrar para as palavras as suas arestas pontiagudas. Há que se aprender a ser um domador de palavras. Como de cães, como de coiotes. Cada um no seu lugar. Cada um em sua jaula.
Cada um com a sua jaula.
Navegue-me, por favor.