30/07/2007

a lei do mato

No mato é que se faz a lei
é de comum-acordo a teia da aranha
quando cai bicho ali ninguém reclama
nem se debate, a morte é certa

No mato é que se faz lei
casa de marimbondo ninguém se mete
Saiu de casa? Que se garanta!
use ferrão e seja breve.

No mato se faz lei
formiga grande, maior pedaço
para as pequenas, só os farelos
toda labuta dá resultados.

É só no mato que se faz lei
pode soprar o vento forte
se uma raiz está fraca e cambaleia
tem a floresta pra sustentar.

29/07/2007

Álea

flor do campo
noite branca
brisa leve, sol no rosto

tudo passa
a vida é boa
voam os sonhos pela janela

Ah...
se Álea soubesse
que o seu viver
faz-lhe tão bela

Ah...
se Álea soubesse
que dos seus olhos
nascem as palavras

Ela diria, com pés no chão
no rosto o jeito de quem sabe
sem mais palavras, com precisão
pontuaria:
"- A vida é isso."


à queridíssima Álea

o beijo

Uma criança
tão frágil que mais parecia um boneco de palitos.
Uma criança-palito deitada na cama.
Os pés pra fora tiquetaqueando o tempo.
Os pés gelados não se encomodavam com o frio,
ela viria para os cobrir...
A luz acesa, os olhos abertos.
Denovo os pés para espantar o sono
E a longa espera.

De súbito o pai
sem devaneios:
- Aconselho-te a apagar a luz.

16/07/2007

braile

sobre
os pontinhos a mão
aprender a ler
sobre
o corpo
do
texto
o eixo do ver

ele nas mãos.

vermelho

eu também lábios
gosto vermelho quentes
gosto aceso doce
cedo cismando fogo
embaixo da saia rubro
......................................
molhados.

10/07/2007

masculinidade, quiçá feminino
na pele pelos cabelos
pés caminham destino
automóvel move chão

milhão de cantinhos possíveis
que na massa molda não
membro enxerto ereto sei
mete o pé como se mão.

dedo casa com aperto
arrocha a rosa cantiga
que nem mama nem balança
nem arranha nem a come.

tem a fome mas não morde
brinca desse olho-no-olho
conta contas com moedas
entra nela perde ela.
ver a noite
as bicicletas paradas na esquina
peitos e bundas
eles/elas
elas=bicicletas
eles=olhos
um engarrafamento.

04/07/2007

à vera

um dia o vento parou pra dançar
fez do sol seu parceiro de valsa
dourou cor-de-rosa a aurora
cantou

a luz que surgiu desse encontro
melodia sutil desse canto
cegou o homem
cresceu a flor

Do que o dia parou pra sentar
levou ela sua bela lança
rompeu com um abraço o fogo
lutou.

o embate se fez sobre a terra
o amor encantou-se à vera
verteu sobre o mundo
sonhou.

à amiga-irmã Vera...

03/07/2007

Francine

Chisloucava a noite inteira,
chisloucando feito doida,
rusminando.
Engasgando a saliva que vinha
comia o vento e o ar.
Golfava os bois de dentro,
carcospia-os pra fora
às vezes sujando as saias,
às vezes crispando o olho.

Era toda assim toda.
Impedia qualquer passagem
de sopro de cotovelo
de língua amorfa e tempestade.

Tinha uma certa leveza dela
de beleza, de certeza.
Só não sabia fazer mistérios.
Falava um beijo, ficava feito.

De tudo um pouco é o que diziam,
assim descia pela goela:
olhava os postes, ela passava
nua e crua a graceiar pela rua.

No seu rosto o céu se encerrava de azul. Bonito de ver! Tirava as palavras de uma bolsinha miúda, e assim distribuía, até ficarem grandes. As palavras... vez em quando as comia, as lambia feito a mãe com filhotes. Tinha um tom assim tranquilo de ser não sendo, de fazer fazendo, de ver. E tudo se enchia em seus olhos, tudo ficava tão certo... até eu.
para Cristóvão

02/07/2007

O dia em que algo se fez presente
A luz se apagou depressa
E levou
Aquilo que mais precioso se fazia ali
Ela
Luz
Num dia se foi
E como um ruído de silêncio
Calou
A vida
Tornando o mundo ao redor silêncio
Viveu
Morreu
Sofrendo comigo a dor da partida
Feliz de estar assim reluzente
Como o agora
Como a ferida
No peito faltou um buraco
Faltou a falta
Saiu
Calou
Jamais
A vida
E o dia se fez ausente
E o choro chorou pra dentro
Pra sempre.
O tempo - este imprestável -
fugia como um gato a pular muros.
Em anos
como se nunca
o corpo exposto a ficar nu.

O dia veio dizer adeus.
Nem mais palavras,
ela se foi.

Ficou um caldo de lembrança,
um afago de coice,
de vento...

menina, fecha a janela!
Que as lágrimas - sempre elas!
estão querendo sair no tempo.
Navegue-me, por favor.